terça-feira, 18 de setembro de 2007

Luiz Morier > Todos Negros

Trechos do depoimento de Luiz Morier, gravado em 11/05/2007, a respeito de sua foto intitulada por ele "Todos Negros".

Quando eu fiz esta foto, eu estava passando pela Grajaú-Jacarepaguá, e, passando pela estrada, percebi que havia uma blitz. Parei e fotografei a blitz. E me deparei com esta cena, os negros todos amarrados pelo pescoço. E até dei o título da foto de “Todos Negros”. E logo em seguida eu fui embora, e mais abaixo tinha uma manifestação dos moradores, eu continuei fazendo a seqüência e tal, e fui embora.
E essa me trouxe meu primeiro prêmio Esso na minha carreira. A sensação que eu tive foi de humilhação. Senti uma cena humilhante. As pessoas humilhadas, pessoas com carteira de trabalho na mão, dava para perceber que não eram bandidos, porque bandidos não usam um tipo de veste assim. É claro que eles se vestem bem melhor que isso. Eram pessoas simples, humildes, todos negros. Senti que era um ato de humilhação. Estavam sendo humilhados ali, carregados pelo pescoço como escravos.




- Do material que você fez nesse dia, você tinha certeza de que esta foto tinha destaque em relação às outras?

Não, não tinha certeza, não. Porque a gente... Eu, pelo menos, sempre... Você faz uma foto na hora, aí você só vai ter uma idéia depois que ela foi revelada. Quando eu estava revelando, sim. Aí, que eu vi a foto revelada, eu falei: “pô, essa vai dar o que falar!...” Que isso não é coisa que possa acontecer com o ser humano nos dias de hoje. Ou na época, na década de 80. Mas, até hoje a gente vê humilhação por aí...
Percebi que houve uma reação grande de todos que viram a foto. Até hoje, até hoje...
Quem ainda não viu e vê a foto... Já foi usada por várias faculdades, já foi tema... Inclusive foi, até, em 1988, quando a escravidão... Fez cem anos da Lei Áurea, ela foi bem revista e colocada para todos verem que cem anos depois ainda havia esse tipo de cena. (...)
Eu percebi que tinha uma blitz, mas eu parei porque tinha um camburão parado na pista. Eu fui lá dentro do mato fazer esta foto aqui. Então, eles estavam praticamente escondidos. Quer dizer, eu cacei!... Não estavam expostos assim, na rua. Você pode ver que tem mato lá no fundo, estavam lá no meio do mato, um caminhozinho no meio do mato. Então, quer dizer, era mais escondido, de uma forma... Eles faziam as mutretas, faziam tudo que tinham que fazer, mas, mais escondidos, para que a imprensa não visse mesmo. Agora, eles não estão nem aí... Agora, é tiro pra cá, é tiro pra lá, caiu ali, se tiver fotografa, se não tiver...

- Nessa foto aí, os PMs tiveram alguma reação de não deixarem você fotografar?

Ah, a reação foi imediata!... O tenente falou: “recolhe, recolhe, recolhe!”. Quando ele percebeu que eu estava fotografando, ele mandou recolher. Só que quando ele mandou recolher, ele não percebeu que eu... O guarda não percebeu que eu estava fazendo uma foto dele. Eu estava com um grande angular, ele achou que eu estivesse fazendo só os presos. E, no entanto, ele estava enquadrado na foto. (...)
Tem a importância que tem hoje porque mostra uma autoridade, ali, que devia usar algemas, no mínimo, e usou uma corda, e amarrada no pescoço. Não foi nem nas mãos, foi no pescoço. Quer dizer, um ato escravo mesmo! (...)
Sim, agora é. Para mim, ela é uma foto histórica. E vai estar sempre no primeiro lugar, pra mim, porque é uma foto que marcou muito esse meu tempo de trabalho.

Luiz Morier > Diz que foi no Jornal Tribuna da Imprensa que tudo começou. Aos seis anos, acompanhava o pai, Max Morier, repórter esportivo já falecido, e meio que um fundador da Tribuna. Morier começou a carreira de repórter-fotográfico no extinto jornal Última Hora, em 1977. Também teve passagens pelo Globo e trabalhou como freelancer no Estadão. No Jornal do Brasil trabalhou mais de 25 anos. Nos últimos anos tem frilado para várias empresas.

Fontes: versão digital do Jornal Paparazzi, ARFOC, Associação dos Repórteres-fotográficos e Cinematográficos,
http://www.arfoc.org.br/paparazzi/default3.asp?idperfil=18&idedicao=12&v=s,
e sessão Em Foco, ABI online, Associação Brasileira de Imprensa,
http://www.abi.org.br/paginaindividual.asp?id=412.

12 comentários:

radiomamaterra disse...

Tenho apenas uma pequena dúvida, que talvez possa ser resolvida ao preenchermos lapsos de memória.
A informação sobre o momento desta foto que eu tinha até ler esta entrevista é que o fotógrafo estava em um carro do JB que vinha de uma reportagem no Centro Social Urbano de Cidade de Deus.
Deram carona a uma assistente social(guardo o nome), a equipe ao ver esta cena "corriqueira" para quem trabalhava em conjuntos habitacionais na época.
A foto foi tirada graças a presença da assistente social, que inclusive me disse que os guardas pousaram para a foto.
Fui informado da possibilidade desta reportagem às cinco horas do dia anterior(28.11.82???) à publicação da reportagem. O que deu tempo para que mobilizasse o movimentonegro já na noite anterior à publicação da reportagem. Que das escadarias da Cinelândia partiu para invadir a antiga sede do DOPS, que era a Secretaria de Segurança do Rio de Janeiro.
Gostaria que o Morier me ajudasse a montar o mosaico daqueles dias que foram o tiro de misericórdia no chaguismo do RJ.
marcos romão

angeldeipanema disse...

MEU DEUS ISSO FOI NO BRASIL NAO SEI SE TENHO A CORAGEM DE MOSTRAR MEU PAIS AO MEU FILHO E DIZER ISSO E SEU PAIS TAMBEM NA SUECIA ISSO NAO EXISTE QUANTO MAIS LEIO ESSAS COISAS MENAS VONTADE DE VOLTAR TENHO BRASIL SO A PASSEIO

Luiz Morier disse...

Gostaria de informar ao colega radialista marcos Romão, que no momento da foto não havia nenhuma assistente social no carro de reportagem, e sim eu o reporter e o motorista.
Luiz Morier.

Luiz Morier disse...

Gostaria de informar ao colega radialista Marcos Romão, que no momento da foto Todos Negros, não havia nenhuma assistente social no carro de reportagem.
Luiz Morier.

Bosco Ferreira disse...

Angélica;

Na Suécia é falta de educação postar em caixa alta?

Outra coisa, "menos vontade". Menas, não existe aqui no Brasil. Nem tão pouco na Suécia. Brasileiros não podem pagar pelo erro de um PM. Se você estudasse um pouco mais, saberia que na Europa e mais precisamente na Suécia existem coisas bem piores, queridinha.

Unknown disse...

Tem coisas que só a imaginação pode dar conta. Diante de tão cruel realidade, às vezes me vem à cabeça se não seria essa uma boa hora de discutirmos seriamente a possibilidade e o desdobramento político de os afro-descendentes brasileiros recusarem seus sobrenomes portugueses e resgatarem os de origem africana - ainda que se tenha de recriá-los.

Marcelo "Russo" Ferreira disse...

Seria interessante... negros, índios, ribeirinhos resgatassem seus nomes verdadeiros... Uma grande lição de história.
Caro Luiz MOrier, existe algum link para as reportagens que se seguiram, à época? Sou professor na UFPA e ministro uma disciplina chamada Política Educacional (que os alunos, inicialmente, detestam). Venho buscando referências mais histórias para pautar o entendimento acerca da educação do campo, educação indígena, educação quilombola e quanto mais nos apropriamos de fatos da história, como este, mais despertamos a curiosidade de nossos jovens...
abraço
Há braços!

Marcos Azambuja disse...

Me lembra as imagens que via nos livros didáticos sobre o Capitães do Mato que caçavam Negros foragidos dos cativeiros. Se observarmos devemos ter ruas e praças no Brasil todo com o nome desses carrascos...

Unknown disse...

http://ondeoventofazacurvalagoinha.blogspot.com.br/2011/05/vigario-geral-na-tela.html


"A INJUSTIÇA QUEIMA A ALMA E PERECE A CARNE".

Lúcio Andrade disse...

Esta foto deixa bem claro o cunho racial da justiça punitiva brasileira , que começa com a policia nas ruas , supostamente cumprindo um ordenamento legal e legitimo . o que nao o é , dada a nossa herança historica extremamente racializada . eu , entrei na pmerj neste ano , e ora na aposentadoria , reafirmo que este quadro , retrata frontalmente a ideologia da etnia caucasiana e da classe abastada e dominante .este valores sao diretamente infundidos e forjados nas mentes dos policiais , oficiais e praças . que face a baixa estatura cultural , em sua maioria , quando de seus ingressos na corporaçao nao enxergam a triste funçao social e papel de algozes paramentados de legalidade , numa sociedade em perene conflito de classe e etnico . este atuar que representam contra os mais fracos . no caso concreto os afrodescendentes , digo , negros e nordestinos ,penitencio-me por ter sido membro desta corporaçao tao comprometida , nao por todos , em açoes aviltantes e desumanas direcionadas , ora por truculencia , ora por desassitencia á estas populaçoes hipossuficientes ,enfim ; esta ocorrencia policial deveria ser objeto de estudos sociologicos e filosoficos .em debates nas academias de policia de todo brasil e nas universidades , qto ao "desastre policial" do ocorrido e sua repercussao ideologica , o peso da cosmovisao de classe senhorial, na praxis da violencia simbolica e real do estado contra contra os desafortunados . corroborando as minhas inferencias , em 200 anos de pmerj , apenas , tivemos dois comandantes gerais , negros ! a jusiça , do judiciario , nao a do divino , na area de segurança publica enceta por uma policia equilibrada e consciente do desarranjo social e suas vertentes querelas permantes . dos quais ela,MERJ , terá que interagir sem pender , sistematicamente ,como de costume em favor dos mais ricos ou menos miseraveis .

Unknown disse...

MORAVA NO RIO NA ÉPOCA.
TEVE SIM UMA GRANDE REPERCURSÃO. PENSAVA QUE FOSSE O JORNAL DO BRASIL, TINHA EM MENTE A CAPA, MAS VEJO QUE FOI NA TRIBUNA, SEGUNDO AUTOR.
LEMBRO TAMBÉM DE GRANDES CONTROVERSAS.
PERGUNTO: ESTA FOTO, DIRETA, OU INDIRETAMENTE, AJUDOU NA CAMAPANHA DE BRIZOLA? ESTÁVAMOS MUITO PERTO DAS ELEIÇÕES E ELE BATIA NA TECLA DO PRECONCEITO, DA PERSEGUIÇÃO AOS NEGROS, ETC.. COMO NUNCA HAVÍAMOS VISTO ALGO SEMELHANTE E PELA COINCIDÊNCIA DA ÉPOCA ELEITORAL, FICA A PERGUNTA.
ELE, BRIZOLA, TEVE SUA AUTORIZAÇÃO PARA USAR A FOTO NA CAMPANHA?
OBRIGADO

Unknown disse...

Suécia criou uma imagem de si de paraíso e harmonia, que foi comprada pelo resto do mundo e dificulta a compreensão sobre o racismo que toma conta do país.